Mas ele não jogava a toalha, e assim que o "fiscal" dava as costas, voltava aos pontinhos da pintura de agulha que iam preenchendo o tecido e desenvolvendo sua sensibilidade.
Outra cena muito lembrada na história do casal arteiro, e que também não tive a alegria de presenciar, pois eu ainda era um plano futuro, é a de uma famosa saia godê que ele, sentado no chão, cortou e depois costurou para sua amada. Dizem que era um arraso quando ela desfilava pelas ruas leopoldenses exibindo a peça de grife exclusiva, com sua cinturinha de manequim, como gosta de frisar.(rs)
Tenho uma memória péssima, mas catando daqui e dali nas gavetinhas da infância, encontrei a imagem desbotada do moço prendado tricotando um blusão verde (ou azul?) petróleo, com suas mãos grandes e unhas roídas, num ponto que a cada carreira mostrava os losangos se encaixando com perfeita simetria. Por muitos invernos, ele o aqueceu, e observando com olhos de criança, lembro que me perguntava como era possível fazer geometria com fios de lã.
Para sua princesa, eu!, fez o mais lindo quebra-cabeça com o mapa do RS e suas regiões recortados em madeira, com serra tico-tico, e depois coloriu com tinta no maior capricho. Maior orgulho não poderia sentir uma filha quando levou à escola para mostrar aos colegas e professora e ela, entusiasmada, utilizou como recurso didático em uma de suas aulas de geografia.
Imagino a cumplicidade que as manualidades partilhadas teceram na vida dos meus pais.
Imagino o encantamento da minha mãe por um homem que desafiava as regras e partilhava do nicho criativo do seu universo feminino.
Imagino, porque não recordo, como ficávamos próximos quando, sentada no meu banco ao seu lado, contava junto as voltas dos finíssimos fios de cobre que pacientemente ele enrolava para bobinar motores.
Se ele passou tão rápido por aqui, com o coração derretido muitas vezes reconheço nas mãos de seus dois netos, que por uma ordem do tempo não cruzaram com o vô Ruy, a continuidade do seu ser sensível, habilidoso, metódico, apaixonado pelos processos criadores.
Bruno em diferentes motivações que envolvam cortar, colar, pintar, montar, costurar...
E também nas mãos gêmeas das dele do meu irmão, prestativas e eficientes em qualquer tarefa engenhosa.
E milhares de vezes nas minhas, que me dão o norte e fincam as estacas do que me envolve de prazer e me põe de pé em defesa da beleza da vida. A herança mais preciosa, um bem de raiz que se perpetua pelos vínculos eternos do bem-querer.
Para o meu pai, o presente é um Ho'oponopono, que acredito irá encontrá-lo, quem sabe hoje, vovozinho, tricotando em alguma nuvem:
Sinto muito, me perdoa, eu te amo, sou infinitamente grata!
(Para conhecer ou saber mais sobre essa técnica de cura emocional havaiana, clique aqui e se conecte com os amigos do Via Tarot.)
Amém!