
As páginas ganharam o amarelo da idade, o que confere um charme a mais às suas ilustrações de uma beleza e delicadeza de embebedar os olhos. De tão lindas, a vontade é emoldurá-las, todas, e montar uma galeria de arte retrô em casa. Faço um recreio na idade madura, tiro um tempo para voltar no tempo e enquanto folheio sem pressa, a mágica se faz: as cenas aquareladas me puxam para dentro e me trazem a criança que fui, a criança que foram os amigos. Crianças bem-comportadas, de pequenas peraltices, arrumadinhas como se os dias fossem sempre de festa, sapatos lustrosos. Crianças que brincavam com a natureza e as tarefas domésticas e faziam disso um deleite sem igual.
Sigo viagem pelo passado e um pit-stop nesta cena rende boas recordações. Uma das primeiras tarefas que fui considerada apta a realizar na cozinha, tal qual a menina da imagem, também já sinalizava o gosto pelas panelas. Debulhar ervilhas frescas recém-compradas do verdureiro na calçada tinha um status importante. Quem sabe não demoraria tanto assim para o fogão ser liberado.
Mas com um pouco mais de atenção, percebe-se que as imagens inocentes retratam muito além do universo infantil da época. Revelam os pais que tivemos, o estilo de vida que levaram, os padrões da sociedade das décadas de 50 e 60. O poeminha do alto mostra com fidelidade esse tempo tão outro. Em várias páginas, mulheres que parecem ter acabado de sair do banho, com vestidos do dia-a-dia impecáveis, cuidando de bebês rosados e calmos em seus bercinhos ou cadeiras de mesa, preparando bolo, estendendo cestos de roupa, costurando, lavando o chão, sem um fio de cabelo fora do lugar ou um suorzinho na testa e nenhuma expressão de desconforto ou TPM. Mulheres que recebiam o marido na porta com um olhar plácido, sorriso sereno e beijo cor-de-rosa, providenciando o destino da sua pasta, casaco, depois a toalha perfumada para seu banho e o jantar servido na hora, fumegante e delicioso...


Respiro longo para voltar ao presente. Antes de devolver os livros aos seus lugares, escaneio as imagens e, enquanto a máquina trabalha, falo com os botões: além da estética, o que nos seduz nessa onda vintage de forma tão arrebatadora? Que mel é esse que o passado usa para adoçar o presente e nos derreter? Mas como eles não respondem, invento uma última cena: quem sabe a próxima geração saberá decodificar essa nostalgia gostosa que nos devolve um pedaço do que deixamos se perder por aí...