quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Corujas na cozinha

Já passava bem das 23 horas, ontem, quando depois de preparar alguma coisinha rápida para a janta, a cozinha voltava a me chamar. Lembrei das frutas já quase passadas do ponto e resolvi picá-las, ainda sem saber seu destino. Lembrei também do crumble que a Cynthia mostrou esses tempos no Fala, Mãe!, e do tempo que fazia que esquecera dessa sobremesa tão saborosa e prática. Mas encafifei que queria mesmo era um bolo assando. O filho apreciaria encontrá-lo ainda morninho ao chegar faminto do trabalho na madrugada, uma ironia daquelas quase inadmissíveis: depois de cozinhar no capricho por horas a fio, o chef traça o que estiver na mão quando aporta em casa.

Bolo+frutas+crumble: estava resolvida a charada.
Preparei a massa batendo na batedeira (vantagem de quem mora em casa, sem vizinho perto, e pode fazer barulho à hora que lhe der na telha) 100g de manteiga sem sal com 1 xícara de açúcar até esbranquiçar. Juntei 2 ovos e bati mais. Depois, intercalei 2 xícaras de farinha de trigo peneiradas com 1 colher (sopa) de fermento em pó com 1/3 de xícara de leite e voltei a bater. A massa fica firme. Temperei com raspas de casca de limão e açúcar de baunilha. Coloquei numa fôrma pequena, untada e enfarinhada. Cobri com a salada de frutas (banana, maçã, abacaxi e até mamão).
Improvisei uma porção pequena de crumble: 1 xícara de farinha de trigo, 1/2 xícara de açúcar, 2 colheres (sopa) de manteiga gelada em pedacinhos e canela em pó. Mistura-se com as pontas dos dedos para formar uma farofa. Polvilhei as frutas com uma camada generosa do crumble e foi para o forno, em temperatura alta nos primeiros 15 minutos, e média até terminar de assar. Enquanto o calor tratava de fazer o bolo crescer, e como o verão deu uma trégua nas últimas duas semanas, pude esperar na mesa próxima ao fogão. Busquei o bordado que vem me distraindo e continuei a delimitar os traços da mandala pintada com uma técnica anárquica que assim que estiver pronta mostro. Casa quietinha, perfume do bolo fugindo do forno, meditação ativa proporcionada pela agulha na sua cadência de pontinho em pontinho.


Me olhei de fora e me vi nesse ritual por uma vida toda. Até mesmo quando lá fora os tempos são pesados, como agora, a cozinha é refúgio de uma tranquilidade prazerosa que só os que "surfam nessa praia" podem compreender. Se associada ao outro grande prazer, o fazer nascer uma nova manualidade, a química então funciona em dose dupla. Dei graças ao meu cérebro por ser pouco exigente, por ser capaz de processar meus pequenos prazeres e assim produzir a mágica de espantar os fantasmas pra longe, nem que seja por um intervalo não tão longo. O bolo ainda assava quando resolvi dar uma escapada para a virtualidade, uma espiada pelos posts recentes dos blogs amigos. Pois não é que aqui encontrei uma outra coruja (que faz lindas corujinhas entre tantas belezuras) assando bolo enquanto o povo dorme e refletindo na mesma linha que eu! Não poderia ir dormir sem comentar assim com a Ana (Sinhana):
Essa não valeu, Ana! Tô aqui, meia-noite e meia, com um bolo ainda no forno, matutando sobre essa coisa meio milagreira que a cozinha faz, a de afastar meus fantasmas, quase sentando pra escrever sobre isso, e daí entro na tua cozinha e vejo reflexão tão semelhante. O bolo aqui é de salada de frutas (sobrinhas da geladeira), mas já fui bisbilhotar esse aí no Quitandoca e é o próximo da lista. Beijo, boa noite!
Fui pra cama depois de desenformar a produção noturna triplamente recompensada. O filho gostaria do afago doce e de saber da minha motivação apesar dos pesares. A mandala ganhara mais alguns contornos e já se mostra mais inteira, por tabela, eu também. "Cacei" uma coruja do meu parlamento (coletivo que acabo de aprender pelo sábio Google)! Embora as criaturas olhudas sejam bichos solitários, não estou mais sozinha nos voos à noite pela cozinha, enxotando as nuvens carregadas que teimam em fazer ninho sobre minha cabeça.
E para fechar o turno, antes de trancar as janelas, me dei de presente uma fatia de bolo quentinho e um copo de suco de uva para brindar o melhor que esses caminhos virtuais nos trazem: o encontro com nosso bando.
Que outros cheguem, que as afinidades nos fortaleçam mais e mais. Amém!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Costurar, bordar, crochetar, recortar, colar...

Eis a receita descoberta ainda criança e desde lá seguida à risca para não "pirar". Na companhia de linhas, agulhas, tecidos, mais fácil fica lembrar que a vida segue mostrando sua beleza, todos os dias, mesmo quando o céu fecha a cortina e aqui embaixo precisamos fazer um esforcinho maior para lembrar que o sol mora sempre lá, soberano, bem no alto, onde nossos olhos nem sempre conseguem ver.
Então, em tempos de aflição com mãe doente, minhas mãos imitam as delas, tão habilidosas, e trabalham para ajudar a descansar a mente e sossegar o coração. E assim nascem, meio que milagrosamente, coisinhas coloridas, um sinal que me alegra e tranquiliza: a receita continua funcionando.
Talvez em busca de aconchego, fiz almofadas. A primeira, uma cena idêntica a que não cansava de desenhar quando menina. Com os recursos da patchcolagem, aplicar formas de tecido é quase uma brincadeira de montar. Ah se aquela menina tivesse um rolo de papel termocolante.... - imagino enquanto costuro.

A outra comecei a crochetar o miolo pela estrada afora, na volta de Garopaba. Depois foi só fazer um fuxico gigante, recheá-lo com manta acrílica e costurar a mandala colorida no centro. Fiz também uns biquinhos de crochê em volta, para modelar melhor a peça e dar um arzinho ainda mais de vovó.
Para completar o canto do crochê, o xale trazido da praia no encosto do sofá e a primeira almofada crochetada aqui. Porque gracinha chama gracinha, a boneca vintage volta e meia recebe a companhia dessa outra fofura, que se encarrega de "enfeitar" as almofadas com seus pêlos branquinhos. Nada que boas sacudidas (nas almofadas! rs) não resolvam.
E a outra metade do coração aquele, que sábado ficou famoso lá no BananaCraft (obrigada, Dani!)? Ganhou outra personagem e a mesma frase para presentear a sobrinha. Para uma alminha-gêmea da minha, pude soltar o freio, abrir as janelas da imaginação, e aí as borboletas e abelhinha voaram em bando para alimentarem-se das ideias da menina-flor. Colhi zínia rosada e lavandas bem cheirosas e amarrei no presente embalado. Acho que a menina-flor aprovou, parece que até a ouvi batendo palminhas lá dentro. E a menina aniversariante, essa fez o mesmo, mas com seus olhos, em piscadinhas de tanta luz!
E enquanto alinhavo o post, a voz que acorda a memória da sabedoria repassada começa a me assoprar fragmentos de uma das mais belas orações, reconhecida assim pela semente mais funda da minha alma. Vou atrás dela e reencontro um tesouro em forma de livro. Uma pausa para mergulhar na força de um jardim. O pequeno livro, O jardineiro que tinha fé, da minha valiosa mestra Clarissa Pínkola Estés, na íntegra você encontra aqui. A oração divido com vocês:


Recuse-se a cair.
Se não puder se recusar a cair,
recuse-se a ficar no chão.
Se não puder se recusar a ficar no chão,
eleve o coração aos céus e,
como um mendigo faminto,
peça que o encham,
e ele será cheio.
Podem empurrá-lo para baixo.
Podem impedi-lo de se levantar.
Mas ninguém pode impedi-lo de elevar seu coração
aos céus — só você.
É no meio da aflição que tantas coisas ficam claras.
Quem diz que nada de bom resultou disso
ainda não está escutando.

(A florzinha singela nascida do considerado inço, numa frestinha de nada de terra na minha escada, é a oração viva, e a ela dou vivas!)
Amém!