domingo, 10 de outubro de 2010

Criancices (2)

Maria-sem-vergonha é a florzinha-símbolo da minha infância. Tão fácil de cultivar, quase inço no quintal, uma matéria-prima sempre à mão que, com sua variedade de cores, permitia incontáveis brincadeiras. Além de decorar os pequenos vasos das casinhas montadas no canto do quarto ou embaixo de alguma árvore, tinha uma propriedade mágica de se transformar em tinta quanto amassada e esfregada no papel. Adorava o efeito aquarelado da técnica, também experimentada com outras tantas flores e matinhos. Seus frutinhos eram, e ainda são, uma diversão à parte. No verão, engordam, ganham uma barriga estufada, e quando levemente apertados, estouram espalhando as minúsculas sementinhas e imediatamente se enroscam e viram caracóis frisados. Procurar as grávidas mais gordas é um exercício de percepção que faço quase que no automático, e não é uma ou duas vezes que, saindo de casa, mesmo atrasada, paro em frente a uma moita de balsaminas para estourar as gordinhas.
A versatilidade das "marias" também chegava aos sonhos de vaidade da menina que não via a hora de se tornar mulher. E para ser mulher, na concepção que tínhamos do feminino na infância, precisaríamos de alguns aparatos de beleza, como unhas compridas e bem-cuidadas, como as que tanto admirava nas mãos da mãe, tias e professoras. Era uma época em que as meninas aguardavam os 15 anos para ganhar passe-livre a alguns artifícios, como usar batom e pintar as unhas. Batom não gerava grandes expectativas, mas as unhas... Ah, para quem roía as suas até não aparecer nenhum branquinho, era uma imagem distante. Então, enquanto esperava a idade andar, brincava de mulher crescida (que não roía unhas) ...
E as pétalas da maria-sem-vergonha eram perfeitas para criar as mãos que gostaria de ter. Podia trocar de cor de "esmalte" numa piscar de olhos. Bastava despetalar a florzinha, passar saliva em cada unha e "colar" as postiças. Quanto maiores, maior a satisfação.
Daí era só fazer poses, gestos e imaginar a mulher que um dia me tornaria. Projetar o futuro pelas unhas da mão, mesmo que parecessem unhas de bruxa, tinha um estranho poder de assegurar que um dia deixaria de ser uma roedora e, com unhas vermelhas, bem mais fácil seria encontrar meu lugar no mundo.
A "profecia" se cumpriu. A mania de roer unhas ficou no passado, logo depois passei a pintá-las vez que outra de escarlate, enquanto abria espaço para desbravar a vida.
Hoje, prefiro o brilho discreto do esmalte incolor, ainda que a moda aposte na paleta de cores lindas e vibrantes dos esmaltes. Sem vergonha, assumo que o básico me basta e uma gostosa sensação de liberdade me abraça. É bom se desvencilhar do papel de maria-vai-com-as-outras, mesmo que a menina que mora em mim às vezes se aborreça com isso. Mas daí ofereço-lhe um colinho, e logo fizemos as pazes.
Um bom domingo a todos! Amém

8 comentários:

Rosa Sumi disse...

Lembrei da minha infância agora. Como morei no sítio até a adolescência, a gente fazia muitas brincadeiras com flores e matinhos e me lembro das unhas com pétalas e gostar de ver as sementinhas pulando das grávidas. Tempo bom aquele.
Bjs, Rosa.

Marina Mott disse...

Amei seu blog!! De verdade! Estou seguindo!! muito obrigada pelas palavras gentis!!Bj enorme!

Cecilia e Helena disse...

Rosana, que lindo!
Um abraço bem apertado da Cecilia.

Maria Amélia disse...

esta tb é uma flor da minha infãncia que cultivo até hoje mas nunca tinha feito de unha postiça. Como nunca é tarde vou fazer agora que as minhas estão floridas e minhas unhas como sempre estão totalmente selvagens rsrsrs. bjs. adorei o post.

Ana Matusita disse...

Eu também adorava essa brincadeira!
E estourar as vagenzinhas era a melhor parte!
bjs e bom dia das crianças,
Ana

Cecilia Helena disse...

Oi Rosana, você desde pequenina já era bem criativa, essa de esfregar as pétalas no papel eu não conhecia! A das unhas hummm é bem mais fácil do que a gente tentar pintá-las em casa hein! Quanto a ir contra a maria vai com as outras, fico embirrada com isso também, me irrita, mesmo que às vezes eu passe esmalte quase pretos nas unhas e meu marido se espante!Bjs

Laély disse...

he, he! Eu também gosto de apertar a "barrigada" de sementes dessa florzinha, tão comum por aqui, mas essa brincadeirinha com as pétalas, surpreendeu-me, ainda mais, vindo de alguém tão despojada quanto você! rsrs
Lembrei que, quando criança, despetalávamos grandes hibiscos só pra sugar o melzinho que se formava na base delas.

Beti Copetti disse...

hehehe tinha esquecido das unhas de pétalas de beijinho!!!! Boa lembrança!